quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Inverno de sangue – eliah e marion


Inverno de 1945, nós estamos no pátio de um campo de concentração nazista, eu e minha irmã fomos trazidos na primavera de1939, não lembro o mês, mas era logo após o inverno, disseram que logo encontraríamos nossos pais, mas até hoje não soubemos mais notícias deles. Minha irmã Marion, já não tinha esperança de vê-los novamente e acho que ela esta certa.

Aquela manhã era especial, pois fazia algum tempo que tínhamos feito um amigo, um garoto de fora do campo um filho de oficial, ele era diferente do pai, tinha um sorriso sincero e não tinha aquela maldade que se via no olhar dos soldados. Estávamos esperando ele vir para brincarmos e contarmos estórias infantis, algumas que ele mesmo lia na casa dele e depois vinha contar para a gente, Marion adorava as estórias, tanto que ela já estava simpatizando com o “pequeno nazi” como ela costumava chamá-lo. Mas algo estava diferente naquela manha, havia muito movimento no acampamento, e se ouviam muitos barulhos, explosões e sons que pareciam tiros. O movimento de madrugada foi intenso, caminhões e viaturas saindo e entrando toda a hora, os guardas gritavam ordens para alguém, que não sabíamos o porque.

Marion não conseguiu pregar o olho a noite inteira, disse para mim que algo muito ruim estava acontecendo, mas eu disse a ela que tudo ia ficar bem que não se preocupasse e que logo estaríamos longe dali e com certeza encontraríamos nossos pais e voltaríamos para casa e tudo seria como antes. Mas ela chorou e pela primeira vez desde que fomos levados para aquele lugar ela olhou para mim e disse: “Irmãozinho, você tem certeza disso?” Até aquele dia Marion nunca duvidou de nada que eu dissesse para ela, sempre tivera certeza do que eu lhe havia falado, porque duvidar agora? Logo nós descobriríamos.

Eu ainda estava deitado quando a porta do dormitório foi aberta com força, e o vento frio entrou e gelou nossos rostos e mãos, pois não tínhamos cobertas e dormíamos uns juntos dos outros para nos aquecer. O guarda pediu que levantássemos e saíssemos rapidamente do quarto, não nos deu tempo nem de vestirmos algo quente, não que houvesse muitas blusas para nós, mas pelo menos um manto ou um pano. Mas fomos retirados do quarto aos berros e colocados para fora do alojamento. Marion agarrava meu braço com tanta força que doía, e eu não conseguia lhe pedir para largar, pois eu queria que ela ficasse junta de mim, sem chances de ser afastada. Fomos forçados a andar até o centro do acampamento e quando me virei vi o meu amigo Otto, o filho do oficial, agachado meio escondido no canto do alojamento, com uma expressão de medo nos olhos, ele olhava para nós e olhava para os soldados, ele não entendia o que estava acontecendo, mas eu entendi tudo no momento em que os soldados foram nos buscar, tinha chegado o momento de encontrarmos nossos pais. Os soldados pediram que nos alinhássemos um ao lado do outro e que olhássemos para frente, pedi para Marion que olhasse para mim o tempo todo. Olhei bem nos olhos dos soldados a nossa frente e pedi para que Deus os perdoasse. Os primeiros tiros foram ensurdecedores, depois foi como se tudo ficasse muito lento e quieto, senti como se Marion tivesse me puxado para trás e logo senti um empurrão e um calor no peito, logo após isso tudo ficou escuro. Os sons foram ficando mais distantes até não existirem mais, mas uma voz eu podia ouvir, tenho certeza que era a voz do Otto que parecia dizer aos berros “Eles são apenas crianças como eu”.

fonte: Inverno de Sangue, Portes, Alex Sandro - 2011